domingo, 31 de julho de 2011

montanhas

Claro que como toda mocinha da minha idade
depois de assistir à Noviça Rebelde eu dançava no quarto,
braços abertos girando e sorrindo alegre,
completamente possuida pelo espírito da freirinha preceptora.

Havia algo no filme que eu queria tomar pra mim: a montanha.

Crescí ouvindo descrições de passeios na montanha pela nonna Terezza e pela avó Bertha.
Era num tempo em que as paisagens faziam parte do cotidiano, dos sonhos, dos medos, das festas...

Nonna Terezza contava dos piqueniques feitos na encosta  da montanha.

Quando os italianos ainda podiam se valer do que produziam,
no outono, ao se haver sazonado a frutificação,
as mulheres da família e vizinhas, reuníam-se pra fazer conservas e compotas, moer grãos,
os homens providenciavam o fumeiro e preparavam-se as carnes a serem defumadas.

Arranjavam então um farnel com coisas das que haviam aprovisionado pra aguentar o inverno
e na encosta da montanha providenciavam um ballo.
Claro que levavam seus instrumentos musicais  e no local escolhido,
que devia oferecer uma bela vista, sentavam-se  sobre mantas dobradas
e apoiavam cachos generosos de uvas verdes e rosadas em varinhas finas
que se estendiam para além da largura de regatinhos que corriam  montanha abaixo,
formados pela neve ainda não firme


Durante o tempo em que as pessoas manducavam a refeição de presunto e panccetta defumados
queijo de cabra,  pão regado a azeite e basilicato seco, tudo caseiro, claro que regado a vinho da casa,
e ainda enquanto cantavam e dançavam festejando a  generosidade da terra e pela simples alegria de viver;
permaneciam ali os bagos enfeixados nos cones tão bonitos,
megulhados na água barulhenta,
que se agitava ligeira morro abaixo, refrescando e lavando as frutinhas.

Daí  recolhiam-se as uvas polpudas e muito geladas
que eram trincadas com com os pré molares
e alguns gritinhos porque doía morder.
 -Então porque faziam, nonna?
 -No lo so.
Um suspiro, um muchocho, uma olhada fixa em mim...e a conclusão:
 -L'amore c'e lo´ stesso ...Machuca un po' quello lá tamem...


Oma Bertha contava que no início da primavera subiam a montanha,

bandos de moços e moças, portando as roupas de lã verde,
coletes e meias 3/4, muito coloridos, capotinhos curtos de camurça,
provisões e cobertores nas mochilas.
Subiam parando num que outro ponto pra espiar Innsbruck pequenininha lá embaixo.

Alguns levavam flautas ou rabecas,  sanfonas ou clarinetas...
Acampavam na montanha por uns dias, colhiam edelweiss,
que ela ainda conservava, secas,  numa caixinha de porcelana sobre a penteadeira e me mostrava às vezes.
À noite eles cantavam, dançavam e se protegiam do frio do monte e do resto do inverno,
valendo-se de fogueiras e do calor dos corpos uns dos outros.
Dormiam muito juntinhos.

Daí com uma risada bem malandra ela completava:
 - Qguado o  xente decía tinha porrçon do moços do bochecho bem verrmelho.
(eram moços e moças muito encabulados)
Entón qguando xegaffa verron tinha porrçoon de casamentos
e cegonias fassendo ninho ne chaminé de porrçoon dos casa lá...

Quer saber? eu adoro me lembrar das coisas que as "minhas" mulheres me contavam...

                                                              então inté jacaré...

Livre dos livros?

Nesta semana estou vivendo algo inusitado:  fazer seleção dos meus livros com a decisão firmada em minha mente de ficar só com os de trabalho, os da Doris Lessing, do Ítalo Calvino,  do Fitsgerald e do Neil Gaiman  e Proust.

Queixo-me pra Fal e Pedrão que me explicam que consulta a gente faz pela internet sobre qualquer assunto que desejar,  que é preciso abrir espaço pra leituras novas e eu sei que não tenho mais um escritório com largueza necessária pra consevação do saber.

Eu tambem sei que não temos mais empregados que mantenham tudo sem pó, arejado e com as estantes polidas de lustra-móveis de cheiro tão bom e familiar...
Mesmo assim é completamente esquizofrenizante: há uma voz em mim que informa que eu devo e outra que me acusa de ser iconoclasta.

                                             então inté jacaré...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

códigos

O velho e bom pai Freud, sacou que havia
um ego; que lida com as questões de ordem prática;
um superego;  que dá conta das questões morais,
e um id; que dá vasa ao desejo.

O ego e superego tem que frear e refrear o id, o qual exige satisfação constante.
Quando o id se manifesta, ele quer ser atendido imediatamente
sem considerações sobre horário, geografia, pertinência,
olhares de estranheza, tempo de validade...

Ou seja, o id não está nem aí.
Ele é cego, surdo e mudo, sem olfato e nenhum tato. Ele é só desejo.

Daí, que é o ego quem pesa os prós e contras, auxiliado de perto pelo superego que mostra o valor moral do ato, pra que a pessoa aja.

O superego é construido quando aprendemos que certas ações farão bem ou mal pros nossos semelhantes ou pra outras espécies.
O ego vai se organizando quando atentamos que certas atuações não nos deixam confortaveis por oferecer risco ou dificuldade à nossa organização e instalação no mundo
(Isso inclui saber gramática, matemática, pregar botões, plantar e cozinhar feijão....
não me lembro quanto importa, vergar etiquetas no ponto mais exibido da vestimenta)

Asimov nos "Robôs" cria um código de conduta pras suas criaturas positrônicas, o que provoca nelas dilemas éticos.

Como é que eu vejo tantos pais, que não oferecem os meios necessários pros filhos se tornarem humanos, não permitindo  desenvolvimento de cada instância das suas personalidades?
Há pais que odeiam tanto suas crias?

                                                           então inté jacaré...

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Descoberta.

Acostumada que estava aos filmes com começo, meio e fim açucarados de Hollywood,
cabulei aula uma tarde pra pegar um cineminha.
Fui ao Bijou, um cinema de São Paulo que fugia do circuito comercial 
e mostrava o que era menos corriqueiro.

E foi ali que descobri Ingmar Bergman.
Saí do cinema sem conseguir organizar o que vira.
As cenas tinham todas peso semelhante.
Tudo era denso, intenso, explícito mas cheio de significados.
Tudo era tão igual ao cotidiano e tão próximo do irreal.
As coisas que eu via poderiam ser de todo mundo.
Eram precisas mas sem contornos identificatórios.

Daí encontrei Pasolini, Antonioni, Visconti com suas alcovas azuis e o cinema francês e tcheco.
Ainda houve o teatro de Arena e Guarnieri, Arrabal e Dario Fo, Zé Mauro de Vasconcelos, Bob Dilan, Beatles, Chico, Juca Chaves, Rosinha de Valença, Jobin, Sidney Miller, Aldir Blanc, Arrigo, Caetano, Donovan, Elis, Jobin, Caymi, Cartola, Carrilho, Capinã, os Sousa Lima, os Carrasqueiras,
Oiticica Parangolés e Clark e o movimento do Embú
e inda deu tempo prá Renata Tebaldi, Pixinga, Canhoto, Jacó do Bandolim, Billy Blanco, Paulo Mendes Campos, João Cabral, Drumond... 
A Cigarra, O Cruzeiro,  Manchete, Realidade O Pasquim, Senhor...

Vi dançar Maria Pia, Ansaldi, Haydée e Rudy Nureyev
e alcancei  Ana Botafogo, Lobão, Premeditando o Breque, Lulú Santos, Calcanhoto...
Ora! não dá prá citar todo mundo.

Sempre que penso nos anos da minha formação (excluindo a ditadura) eu me sinto privilegiada.

Pertenço à primeira geração de ingresso democrático à universidade.
Filhos da classe média e pobre disputando lugar nos bancos acadêmicos
ombro a ombro com alunos aristocratas, ricos, riquíssimos e milionários.
Mulhers já não sendo avis rara na esfera dos pensares.
Tive um mundo à minha volta que sacava que o conhecimento não trazia a felicidade
mas permitia entender a infelicidade.
Era um tempo em que ter era menos importante do que ser,
e sentir, e copreender, compreender-se, e cooperar.

Ainda havia reuniões "open house",
As pessoas convidavam para entrar. Hoje só convidam pra tuitar.

Sou contemporânea de grandes pensadores nas artes, filosofia, ciências,
testemunhei avanços tecnológicos.Vi Brasília nos primórdios.

Desfrutei da  formalidade dos "50".

Finquei pensares libertários nos "60",

Acreditei poder fazer a diferença nos "70''

Tive a minha casa no campo nos "80"

Entrei na onda das comunicações dos "90'.

Vivo devido ao progresso biológico dos "2000".

E carrego em mim a paranóia pós moderna...

Eu pensava que só poderiam se vangloriar da sua época os afortunados dos anos 20 e 30!

                                          então inté jacaré...

domingo, 24 de julho de 2011

Cancan a Festa./ Orphée aux Enfers

Então nasce Offenbach, quer dizer ele nasceu Jacob Ebert, em Colônia, Alemanha, aos vinte de junho de 1819.
Seu pai era um cantor de sinagoga que dá a iniciação musical ao filho.
Reconhecida sua inclinação para a música, mandam-no para Paris para receber aulas de grandes mestres.

Lá ele estuda pra valer, muda seu nome de Jacob para Jacques, justapõe o nome da cidade de orígem de seu pai tornando-se Jaques Offenbach e em um ano já esta incorporando os quadros do Comédie Française.

Mais um compositor que vai contar a tragédia de Orfeu e Eurídice que fez tantos admiradores,
em todos os tempos.
Se esse mito fosse um blog seria campeão de visitas.

Estamos em franco segundo Império, com Napoleão III no franco trono, já decadente devemos combinar.

O maestro Offenbach se põe a escrever Orfeu no Inferno.
Sua primeira ópera.

Pensem que era o romantismo que singrava os mares dos pensares parisienses nesse momento...
obviamente Offenbach estava tomado por esse zeitgeist e
ao contrário dos seus antecessores que tinham se voltado para os clássicos e mostravam os mitos em ingênuas pastorais.

Offenbach faz uma ópera bufa na qual trabalha árduamente cuidando da música com rigor,
contando com o concurso dos libretistas Crémieux e Halévy, que caçoam do mito original
cometendo ousadias impensáveis na narrativa e sendo transgressores ao misturar os deuses
e adulterar situações.

O que foi imperdoável  para os conservadores de 1858.
Depois da exibição seguiram-se críticas ferozes.
Offenbach responde com tal argúcia que reverte os sermões detratores, a seu favor.

Cancan

Uma bailarina francesa cria uma dança que é chamada de 'quadrilha', que deve ser apresentada por moças, todas elas com um metro e setenta de altura, propõe uma gestualidade e meneios novos, e sincronia de movimentos (inspirando Ziegfeld Follies já no século vinte).

Um ano depois a quadrilha é transformada na Inglaterra e o coreógrafo bota o nome de cancan porque assim soavam os passos no tablado de madeira.
Além de conservar os elementos da quadrilha francesa, o cancan  exige mais malabarismos, mais saltos, as pernas remetidas mais pro alto, mais remexer dos quadris e passos lascivos além do guarda roupa sugestivo, cheio de babados laços e frufrus e as ligas, que prendiam as meias, exibidas a cada alçar das saias.

Na Inglaterra a dança é rejeitada por ser considerada indecente, já na França faz um sucesso retumbante e é adotada por todas as casas noturnas que apresentam números musicais.
O cancan desde o seu surgimento é sinônimo de Paris.
É o cancan que faz o baile dos deuses e ninfas transmitir uma alegria irreverente que o peso de tragédia impediria.

Orphée aux Enfers
Nesta versão, o casamento do Orfeu e Eurídice não vai nada bem,
cada um deles tem seus romances extra matrimoniais,
eles não suportam as idiossincrasias um do outro
e assim Eurídice foge para o submundo com o Plutão - o nome romano do Hades.

Porque o Zeus tem que manter as aparências de moralidade impoluta,  prá não ser acusado de conivente,
faz Orfeu sair no resgate de sua mulher, o que gera um festim dos infernos. Literalmente

A ópera vem pro Brasil e é apresentada por francesinhas no Alcazar,
nos moldes do Moulin Rouge  fazendo um auê barulhento,
não só porque os tupiniquins gostam de tudo que fala estrangeiro, embora não entendam nada,
nem conheçam o mito pra facilitar a compreensão da ironia 
mas também porque a música do Offenbach é mesmo maravilhosa.

Então um humorista brasileiro, o Rei do Riso, Francico Correa Vasques,
faz uma adaptação  e em 1868,  Orfeu na Roça  pra consumo interno,
em português, mantendo a mesma caçoada dos libretistas franceses,
é levada ao palco fazendo uma carreira brilhante de quatrocentas apresentações.
  
Assim é que há mitos que dão samba e cancan.

                                               então inté jacaré...

sábado, 23 de julho de 2011

Cancan o Mito

Cirene era uma belíssima ninfa.Claro que Apolo raptou a moça que gostava mesmo era de caçar.

Cirene teve da união com Apolo; Aristeu que foi amadrinhado pelas ninfas-murtas, sabidíssimas, que ensinaram a ele a coalhar o leite pra fazer queijo, cultivar  oliveiras e extrair o azeite, cuidar das abelhas e recolher o mel.
Os produtos que ele obtinha nas diferentes atividades, eram saborosos pra valer e ele fica bem importante por causa disso.

Um dia Aristeu viu, caminhando sozinha, Eurídice, que era uma beleza, decide que a quer para si e perseguiu a moça que fugiu numa corrida desabalada, pulando raízes, topando em pedras, escorregando no musgo afundando na lama, esfolando-se nas árvores, arranhando-se nos espinheiros e pisando numa cobra, que pica seu calcanhar.
Ela morreu por conta desse ferimento.

Hermes, o deus psicopompo, encarregou-se de levá-la para o Hades. O inferno lá deles.

Eurídice era noiva de Orfeu, completamente apaixonado por ela. Ele era  um músico irretocável, comparado a Apolo em musicalidade.
Ele compunha, tocava e cantava de amansar feras, enternecer desalmados, melhorar tudo com sua arte.

Numa profunda melancolia, pela morte do seu amor, Orfeu não saiu do luto, não tocou nem cantou mais e a terra ficou muito triste sem suas cantigas.
Os homens entraram no clima depressivo e os deuses chateados conversaram com  Zeus que concedeu a Orfeu ir buscar sua amada no submundo.

Em lá chegando Orfeu argumenta, pede,  implora,  humilha-se,
beija os coturnos do Hades que não está nem aí.

Perséfone, a mulher do Hades, boasinha, intercedeu  junto ao marido e este fez um trato com Orfeu: ofereceu-lhe um tempo bem exíguo pra ele sair dali com Eurídice mas ele não poderia olhar para trás sob nenhuma circunstância.

Lá ia Orfeu apressado abrindo caminho e confiando que Eurídice conseguiria seguí-lo.
Já via um facho de luz da superfície, quase lá, ele quis se certificar que sua querida estaria no seu encalço.
Ele olhou para trás e Eurídice foi tranformada numa estátua.

Essa tragédia deu samba, óperas várias e o cancan.


                                                                 foi assim!                então inté jacaré...

Típico

Carl Jung nasceu pouco depois da primeira metade do século dezenove na Suiça,
foi aluno dileto e dissidente do velho e bom pai Freud.

Uma razão da cizânia deles foi porque o Jung sacou que os viventes tem um inconsciente coletivo.

Ele afirma que carregamos uma memória ancestral, que tal qual a memoria de uso diário,
emerge quando algo atinge nossos órgãos do sentido;
um som , um cheiro, um gesto, um toque,  o sabor ou textura de uma comida ,  um brilho contra a vidraça, uma gargalhada...

Qualquer coisa pode abrir um postigo na nossa mente e nos remete a uma situação anterior,. assim é o inconsciente individual,  já o inconsciente coletivo oferece-nos uma cena calada na alma
de toda a humanidade desde os primórdios, até voltarmos ao topo das árvores catando insetos.

Deixa-nos ver uma nesga da nossa alma que se formou ao longo do percurso evolutivo.
São situações jamais vividas por nós mas que algum antepassado nosso encarou pro bem ou pro mal, que foi recorrente e provavelmente comum a todos os grupamentos humanos na luta pela sobrevivência.

Pro olhar do Jung, a par da nossa herança genética, carregamos uma herança sensível, moral, que determina nossa organização no mundo e do mundo.
O  inconsciente coletivo faz parte da  composição do nosso incosciente pessoal

O conhecimento da genética que vimos tendo, permite que o rastreamento do DNA, de todos nós, chegue até a  nossa fundação mais básica.

Os geneticistas que se ocupam dessa tarefa, tem encontrado os mais diversos genes em biotipos extremamente específicos.
Quer dizer, louros com ancestrais negros, ruivos com mouros, negros com chineses e por aí vai. 
Isso significa que partilhamos dos mesmos antecedentes, não importando a naturalidade a nacionalidade, a cor da pele, do cabelo, dos olhos...
e a organização da cadeia genética percebe uma memória biológica.

Acho que o Jung sabia das coisas e se assim for podemos aceitar que 
num passado remoto estávamos todos no Éden, colhendo maçãs com o casal  primata primordial.

"O meu pai era paulista, meu avô pernambucano, o meu bisavô mineiro, meu tataravô baiano, meu maestro soberano, foi Antonio Brasileiro".    Chico Buarque

                                                então inté jacaré..

domingo, 17 de julho de 2011

Amarrações

Pessoas  presas em árvores ou pedras, mastro de navios, proas, cruzes, caixas, exercem sobre nós atração irresistível.

Saber que alguem foi instalado numa submissão paralisante e conseguiu se safar, empresta-nos uma esperança muito saborosa, a de que conseguiremos ser Houdinis, conseguiremos quebrar as correntes, romper os grilhões, desatar os nós.

No entanto parece que estar amarrado a qualquer pilastra nos livra da tentação, do mergulho no desejo, na incompetencia de conter, de controlar.

Lá na infancia, quando ansiamos por liberdade, tememos ser deixados livres por imaginarmos abandono,  o que nos conforta mesmo é pertencer: a uma família, a um clube, a um bairro,  país, grupo...

Quando um time ganha o jogo seus torcedores afirmam "ganhamos".
A torcida não jogou, não defendeu, não liderou mas a vitória é considerada pessoal porque torcer para um time faz pertencer.

O banimento é a alternativa à pena de morte.Ser deixado ao deus dará ser abandonado pelos pares, ser esquecido, é um castigo, talvez, pior que a morte.O confinamento, morar nas casas de detenção, ser convicto, é a forma moderna de banimento e todas se referem à paralisia, a impotência decisória, à impossibilidade de ir e vir, entre nós a expressão corriqueira é "ser preso".

Há vezes em que nos deparamos com nosso lado mais feio:
a ansia de morte, a covardia abjeta, a inveja destrutiva,
desespero paralizante, ou qualquer desses atributos dos quais
ninguem pode se furtar mas que na maior parte do tempo, 
não se exerce, consegue-se controlar só a duras amarras,
senão nós deparamos com uma figura vergonhosa de nós mesmos.

As virtudes consideradas básicas necessárias
em quase todas as religiões são contrapostas aos defeitos
que atualmente batizamos de neuroses.

Gastar de mais, colecionar qualquer coisa,
sentir~se superior ou inferior aos semelhantes,
transar demais ou de menos,

surrupiar coisas, mentir por ofício de fé na mentira, enganar,
comer de menos (comida ou pessoas), comer de mais (comida ou pessoas),

matar (pessoas ou obrigações),
amar demais, ser incapaz de amar;
tem seus correspondentes em praticamente
todas as religiões com o nome pecado.

Consideremos para fins didáticos que
prá cada sociedade a gravidade dos pecados  ou  defeitos
sofrem alterações sutis, ou retumbantes.

No código cristão de regras, o "Não Matarás ! " vem em...5º lugar?,
o pricípio budista da não violencia vem em primeiro e norteia todos os demais.

Não estou botando em jugamento,
acredito que pra cada código ser fundado

as razões históricas norteadas pela geografia,
topografia, submissão ao clima, solo,
densidade demográfica, organização social,

cuprimento ritual de deveres e tarefas,
ou seja as leis da sobrevivencia, quer dizer,
as questões biológicas e ... evolutivas
se impuseram sem permitir muita tergiversação.

Onde eu queria chegar é que antigamente (mas não muito)
as pessoas se consideravam amarradas
por terem que cumprir certo número de normas sob pena de banimento,

senão da aldeia, do grupo, do clube, da turma, do trabalho...
agora todos têm direito de exercer suas neuroses
e serão recompensados com pilulas
de felicidade, de tesão, de equilíbrio, 
ou serão subjugados pelo proprio temperamento.

Não se dão conta que tanto as neuroses quanto as pilulas são amarrações,
 só que ao manter sob rédeas curtas
os pecados (ou defeitos ou neuroses) 
é exercicio do próprio sujeito,ha escolha,
portanto ha liberdade.
quando quem domína é o defeito,
ou na sujeição às pilulas, não há auto controle,
o vivente está envolvido, preso, amarrado
e a não ser em casos extremos
( de algém botar em risco os inocentes e alheios circunstantes)
a liberdade de trangredir, pecar, conformar-se, negar...
é um poder  humano,

dos mais básicos, né não?

                                                   Até já!                       

Ishtar

Tem povos anteriores, organizados, com hierarquia de comando desenvolvida, divisão de poderes, religião com rituais estabelecidos, identidade cultural, unidade linguística, território demarcado... 
mas os Sumérios é que são considerados os donos da primeira civilização.

Além de todos esses parâmetros acima, civilização implica em duração longa, uma especificidade de caráter ideológico, ou filosofia norteadora da moral, que se espalha sobre quaisquer das suas manifestações culturais e que vai determinar transformações sobre todas as nações expostas a ela, inclusive muito além do tempo da existência do tal povo "civilizador".

(Foi isso aproximadamente, o que aprendi em história. Há priscas eras).
Tem uma coisa que acho que não é oficial e subjaz a essa reflexão que é: todos os demais povos são considerados bárbaros, menos civilizados. São fruto de genética inferior e "sem" cultura...

Pois bom, os Sumérios inventaram a escrita cuneiforme, lembram disso?  os estiletes com figuras triangulares na ponta, apertados contra o tijolo achatado de barro molinho, no qual faziam marcas de pesinhos de aves bem pequenas, como se elas tivessem ciscado pra todo lado.

Na religião Suméria havia a deusa Ishtar,
que era a padroeira do amor, do parto, da maternidade e que era a lua.
As sacerdotisas de Ishtar eram  simbolizadas pelas estrelas.

Hetaira é o nome de sacerdotisas que oferecem sexo em troca de dinheiro.
Os devotos de Ishtar transavam com as hetairas e pagavam por isso.
Havia lugar destinado aos encontros amorosos no próprio templo.

Não era prostituição mas o rito através do qual honravam Ishtar.
Era essa a forma de se conseguir os favores e a benção da deusa.

Outras deusas, em outras religiões antigas, tinham a mesma função e recebiam honrarias iguais.
As hetairas não tinham conluios sexuais fora do culto, pois eram consagradas e instruidas  nas artes do amor, somente para o exercício de sexo santificado.

Se esse culto sobrevivesse até a atualidade, creio que haveria quem pagasse altas propinas pra passar no vestibular de sacerdotisa e cavalheiros que estariam de joelhos calejados de tanto rezar...


 " A lua, tal qual a dona do bordel, pedia a cada estrela fria, um brilho de aluguel"   Aldir Blanc

                                                  foi assim!                então inté jacaré...


.

Ledo Engano/Eurínome

Nas mitologias primitivas a origem do mundo devia-se às deusas que pela partenogênese geravam seres reponsáveis pela organização da natureza, do tempo, da vida.

Todos os seres viventes, todos os inanimados, tinham em comum sua orígem: eram criações da deusa mãe, que daí sim , em cada cultura configurava um hierofania particular.

Pra algumas era a lua, a estrela vesper ou d'alva, a própria terra, o céu, um animal, a baubo mítica, uma gruta misteriosa, uma entidade imaginária, uma pedra ou montanha, rio, mar ou lago, árvore...

Melanie Klein constatou que crianças pequenas acreditam que o bem e o mal lhes vem dos seios da mãe.
Os povos primitivos ampliavam essa percepção para a Terra e aderredores.
Todo o bem e todo o mal: as mães e as erínias.
A felicidade suprema e o inverno da desesperança.

A capacidade de conceber, gerar, parir, alimentar e cuidar dos descendentes,
para o entendimento dos nossos ancestrais, tinha um caráter divino.

Aliás, mesmo hoje, com a habilidade de criar seres usando provetas, pipetas, congelamento, centrífuga, células e hormônios,
de acompanhar o desenvolvimento do bebê dia a dia pela janela da ultrassonografia,
a maternidade ainda é misteriosa.

As especulações éticas não acompanham na mesma rapidez, o conhecimento biológico.
Se nem a descriminilização do aborto foi resolvida,
como a criação de seres, especialmente nossos semelhantes,
pode ser abrigada tranquilamente na moral das sociedades?.

A proposta de que todas as espécies merecem um lugar ao sol (dependendo da espécie à sombra e água fresca) só começa a ter reconhecimento em poucas consciências e mesmo assim com quase nenhuma representatividade no mundo civilizado.

.A despeito de todo progresso ainda nos arrogamos reis da criação.

 Ledo engano. Gaia ciência.

                                        então inté jacaré...


Eurínome


Na mitologia pré helênica  Eurínome, a deusa de todas as coisas, emerge do Caos e vai dançando separando o céu e o mar .
Cada vez mais tomada pelo baile cria ventos e decide que eles são propícios
à geração de uma serpente com quem copula botando a seguir, o ovo universal.

Ela choca esse ovo sobre as ondas e a tal serpente se enrola nele sete vezes,
fazendo a primeira  incubadora,
a casca do ovo se rompe e dele saem filhinhos: o firmamento com todos os astros e planetas, a Terra com todos os seus acidentes geográficos e toda a vida de plantas e bichos.

Ela escolhe prá viver o monte Olimpo e, como a tal serpente Ofíon, quer os direitos autorais do big bang
a Eurínome achata sua cabeça com o calcanhar, arranca seus dentes e
exila a atrevida para os confins mais escuros.
Daí então ela arranja Titãs  para serem  responsáveis por sete (sempre o sete!), corpos celestes: Lua, Sol,  Mercúrio,Venus, Marte, Júpiter, Saturno.

Sob sua égide, o primeiro homem se eleva do chão da Arcádia, donde nascem mais alguns e
o primeirão, Pelasgos, cria as indústrias extrativas ensinando aos demais a
comer os frutos do carvalho, usar a madeira lá da Arcádia pra fazer cabanas,
a usar couro de javali pra fazer as túnicas...
enfim, valer-se dos recursos naturais pra viver, ainda antes de plantar e pastorear.

Há semelhança nas diferentes mitologias. A deusa primordial é usualmente responsável sozinha, pela fundação do universo.

Mais do que explicado portanto, o medo e consequente repressão exercida;
pelos machos humanos (ainda hoje em muitas culturas),
sobre a curvilínea metade da humanidade.

Eles nem levam em conta que são mais bonitos que as fêmeas.


                                     foi assim...          então inté jacaré!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Inverno?

Toda vez que penso na mitologia germânica uma sensação me perpassa a alma:
não fôra por esse substrato cultural a segundona talvez nem tivesse acontecido.

Todos os filmes, os documentários, qualquer matéria que  mostra batalhas ou estratégias e armas e remédios, desenvolvidos por causa da segunda guerra, não me fazem  pensar no argumento pró guerra que frequentemente é esgrimido: progresso!

Eu penso em retrocesso, ou mais ou menos isso porque
a lógica subjacente da mitologia viking é o eterno retorno.

Não importa o que viva em cada dia, sejam quais sejam as aventuras neste vale de lágrimas ou no mais alto galho da Ygdrasil, o pagão vai voltar pro mesmo lugar e viver tudo de novo tim tim por tim tim.
Os deuses lá deles também!

Quando tudo acabar e não restar pedra sobre pedra,
o recomeço já estará se processando e vai evoluir até o amargo fim,
de novo e de novo, ao longo das eras.

É um conceito complicado prá  quem aprendeu a pensar em
céu, inferno, purgatório, karma, pecado,
culpa e castigo, virtude e recompensa,
ou seja, na expectativa de mudança logo alí na esquina,
na busca da felicidade a qualquer preço,
a crer que tudo vai dar pé, que na próxima será melhor,
cujos deuses tem obrigação de melhorar a existencia dos viventes,
que ser batizado é necessário e imprescindível pra alguem ter  livre arbítrio...

Como compreender um povo que se define por estar
abençoado ou condenado
à mesma  trama num círculo eterno?

Se não houvesse nos recônditos da alma do Führer
(fruto do incosciente coletivo ?),
a certeza de que ele fazia parte desse panteão fatalista,
distinto do resto da humanidade, por se acreditar determinado
a  reviver exatamente o mesmo roteiro com seus diálogos e coreografia,
a cada volta do planetinha azul,
será que o desrespeito demonstrado pra  todas as demais nacionalidades teria sido possível?

O mais estranho é que a mitologia nórdica é pela vida, não se faz na submissão aos deuses,
mas pelos rituais determinantes do cotidiano.
É eminentemente prática.

Sua  compreensão  tornava possível a resolução de problemas imediatos:
a lavoura, a fecundação, o nascimento e não propunha elocubrações metafísicas
geradoras de desesperança e dubiedades. 
        
                             
                               
                                                      Foi assim...           então inté jacaré!

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sábado, 9 de julho de 2011

Non Ducor Duco

Sinfonia de São Paulo
              de Billy Blanco

São Paulo que amanhece trabalhando
São Paulo que não sabe adormecer
Porque durante a noite paulista vai pensando
Nas coisas que de dia vai fazer

São Paulo todo frio quando amanhece
Correndo no seu tanto que fazer
Na reza do paulista, trabalho é o Padre Nosso
É a prece, de quem luta e quer crescer!

MMDC A


Quando se sente bater
no peito heróica pancada                   
deixa-se a folha dobrada
enquanto se vai morrer

Tobias Barreto

Bandeira Paulista

Bandeira da minha terra
Bandeira das treze listas:
São treze lanças de Guerra
Cercando o chão dos Paulistas!
Prece alternada responso
Entre a cor branca e a cor preta:
Velas de Martim Afonso,
Sotaina do Padre Anchieta!
Bandeira de Bandeirantes,
Branca e rota de tal sorte,
Que entre os rasgões tremulantes
Mostrou as sombras da morte.
Riscos negros sobre a prata:
São como o rastro sombrio
Que na água deixava a chata
Das Monções, subindo o rio.
Página branca pautada
Por Deus, numa hora suprema,
Para que, um dia, uma espada
Sobre ela escrevesse um poema.
O poema do nosso orgulho
(eu vibro quando me lembro)
Que vai de nove de julho
A vinte e oito de setembro!
Mapa de Pátria Guerreira
Traçado pela Vitória:
Cada lista é uma trincheira;
Cada trincheira é uma glória!.
Tiras retas firmes: quando
O inimigo surge à frente,
São barras de aço guardando
Nossa terra e nossa gente.
São os dois rápidos brilhos
Do trem de ferro que passa:
Faixa negra dos seus trilhos,
Faixa branca da fumaça.
Fuligem das oficinas;
Cal que as cidades empoa;
Fumo negro das usinas
Estirado na garoa!
Pinhas que avançam; há nelas
Correndo num mesmo fito,
O impulso das paralelas
Que procuram o infinito.
É desfile de operários;
É o cafezal alinhado;
São filas de voluntários:
São sulcos de nosso arado !
Bandeira que é nosso espelho !
Bandeira que é nossa pista !
Que traz no topo vermelho
O coração do Paulista!</em>

Guilherme de Almeida

quinta-feira, 7 de julho de 2011

relembranças.

Quando a gente começa a inventar uma identidade, escolhe também que coisas serão aceitas, das trazidas pela vida, as cometidas pelas pessoas e entre os acontecimentos socias.

Quando se ouve assim ó: aguento mentira, não gosto de nhenhenhe, detesto um incendio na floresta, acidente na estrada, caminhão entalado em viaduto, massacre etnico, pesca à baleia, falo quatro idiomas, entendo alguém me trair, ouço jazz ou pagode ou Mozzart ou Satie, invento que vivi na Paris nos anos loucos, adoro bleiser marrom... qualquer dessas afirmações, mesmo que seja uma só delas solta no espaço, forma-se um perfil de quem a proferiu.

Define-se a pessoa por apenas uma expressão de valor.  

Eu penso que não é precipitação, é que se deve montar, a partir do que se tem, o quebra cabeças que o outro representa.
Quando se tem o biotipo de quem fala fecha-se, mais depressa a questão, até que um dado mais recente
desacomode a paisagem  e de novo deve-se encaixar as pecinhas recortadas nos lugares apropriados.

É preciso entender como o outro se mexe, qual e quanto espaço ele ocupa no mundo, e quanto de aproximação pode-se permitir.

O medo do outro só é reduzido quando há a constatação de que é possível lidar com as diferenças, imbricar as semelhanças, partilhar gostos ou ignorar desgostos.

Assustador mesmo,é quando há a apropriação de quanta igualdade existe entre os da mesma espécie. Aquela identidade inventada a partir das características peculiares de cada um, elaborada e burilada a cada dia, exibida com propriedade e vaidosamente, não elimina o fundamento determinado pelo DNA.  

                                                           então inté jacaré!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

revivências

A cada post eu evito falar do que vi, vivi, pensei, presenciei.

Fico mais confortável falando dos mitos, ou das teorias que acato ou nego e até  proponho conceituações...
Penso que minhas experiências não são do interêsse de ninguém além de chatearem solenemente os circunstantes.

Vez que outra um episódio inusitado impõe-se e não consigo evitar de escrevê-lo. Como o blog tem sido meu veículo eu acabo publicando.
Não é de propósito embora não seja por impulso.O logos se declara. Não como uma epifania mas como uma definição.

Percebo hoje que nós precisamos contar de nós mesmos, quando já provectos, porque queremos que haja testemunhos da nossa existência.

Que outros possam afirmar, por mais algum tempo, depois da nossa morte, que vivemos, fizemos coisas (algumas até interessantes), que rimos de nós mesmos, que nos emocionamos, que fomos mais ou menos iguais a todos e em certa medida únicos.

Desejamos ser reconhecidos mesmo quando ausentes, porque não haverá nada que certifique que tivemos nossa vida. Que uma vez, no passado, estivemos aqui e construímos um ninho e deixamos alguns feitos.
As marcas que fui deixando, já estão por aí e minha assinatura deve ser indelével.

Não se trata de sermos lembrados mas de pertencer ainda e nessa medida permanecer.
Constato que exatamente como foi na adolescência preciso me espelhar para ver como sou vista e como gostaria que me vissem. 

Só que agora não é no outro que busco meu reflexo mas em mim mesma.
Contraponho minha imagem à figura de quem sou.

domingo, 3 de julho de 2011

Limites

Há limitações determinadas pelo nascimento; as geográficas, as físicas, as morais.
Há limites escolhidos por garantir a  vida no dia seguinte ou por mais uma década
.
Todo mundo conhece  limites. Posso listar um punhado daqueles que são claramente impeditivos mas há características que se apresentam como vantagens e podem se voltar contra os feiticeiros.

Pais ausentes, país sob ditadura, parentes lindos ou arrogantes ou folgados, cabelo ralo, nariz torto, bunda caída, pele áspera, diabetes, intestino preguiçoso, voz de taquara,.desorganização, procrastinação, inveja, gula, burrice, medo, vingança, sem gracice, deslealdade(a própria e a alheia), escola pública, classe média, subemprego, mal empregado, marcas de catapora...São fronteiras muito precisas que podem atrapalhar que o escopo seja atigido, diminuir as chances de felicidade.

Todo mundo se impõe limites
Aprendemos a só cruzar a rua com sinal verde favorável,  não cutucar a onça com vara curta,
evitar o copo de cima do piano, não falar mal do chefe quando ele está presente, não contar nada pro fofoqueiro do lugar, não sentar-se em formigueiro, não balançar o vespeiro, deixar o local da encrenca antes de ouvir as sirenes, não atirar o pau no gato, não meter a mão em cumbuca, não agarrar o touro à unha, nem pelos chifres, pagar as contas quase pontualmente, não chegar mais cedo sem avisar...

Quando verificamos de perto notamos que tem  limites  que nos são impostos pelas circunstãncias ou por alguém., esses podem ser rompidos.

Os que contam, aqueles que são prá valer, trazemos conosco pela herança cultural ou genética, são obstáculos só transpostos com auxílio externo; pelas transformações tecnológicas ou sociais...

O que não se fala sobre limites é que eles dão segurança..Dar-se conta dos limites que impedem faz enxergar  as probabilidades que se apresentam. As bordas não permitem o despencar no abismo.

Assim como a estrada garante o sentido de direção com mão e contra mão, os limites explicam até onde ir e como aproveitar melhor o que cabe.

Descobrir que  não é preciso percorrer o espaço limitado com passos lineares mas que a área pode ser corberta  de lado, aos pulinhos, na diagonal, com um só pé, de quatro, depressa, girando , em zigzag...

Não é o  que é oferecido que tem que contar, mas é o uso das posses que importa.
São os limites que legitimam o desejo, o sonho, o desfrute. São os limites que fundam a coragem...

                                             então inté jacaré

sábado, 2 de julho de 2011

República da Chacarinha

Vivi cerca de vinte e cinco anos numa chácara.
Longe do asfalto, com a casa mais próxima situada a uma quadra
e um punhado de pastores alemães como compainha.
Os vizinhos só povoavam as imediações nos finais de semana.

A casa era um aquário. Funcional mas simples.
Tinha um horizonte aberto que eu podia dominar pelas grandes janelas de todos os quartos, da sala e da varanda envidraçadas de ponta a ponta. Dalí eu divisava um mundo sem fronteiras.

Bom mesmo era o jardim bem cuidado, com alamedinhas laterais guarnecidas de lírios e hortências e o atapetado verde de grama fininha.

Quando eu me mudei de lá, o que mais me fez falta foi poder enxergar bem longe...
Os limites próximos não nos dimensionam corretamente.
Nossa relação com as coisas, nosso corpo no espaço, a abrangência do nosso espiar...
nada disso é real quando os limites tem o raio dos nossos braços estendidos, muitas vezes nem esticá-los é possível.

Vendo como todos vivemos atualmente, tão amontoadinhos e apesar disso tão sozinhos,
não entendo porque não é mais atraente viver distante do burburinho mas à larga.
Eu não estou falando dos condomínios mas de bairros comuns, com uma avenida central, um comércio de conveniência, uma praça e uma ou duas escolas.

O que foi que mudou no conceito de viver bem dos anos 50 pra cá? 

                                                 então inté, jacaré!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

De gustibus et coloribus non est disputandum



Eu não gosto do Apolo.
Ele não era tão nobre como quer parecer, nem tão sábio.Não era o esteta superior que dizem.

Ensinou-nos o bom e sábio Nietzche, a espelhar Apolo em Dionisos.

Ao fazer isso, para mim, o do vinho sai da pareação com muitos pontos de vantagem.

Dionisos era lindo, era parceiro dos homens, era alegre, gostava de farrear e de amigos à sua volta.
Se suas seguidoras, num  momento adiantado do seu culto, tornaram-se más, destrutivas e assassinas,
isso não se devia ao culto de Dionisos por ele mesmo e à custa da embriaguez do vinho, como se atribuiu sempre.
É que elas ficavam doidonas por comerem um cogumelo alucinógeno, de acordo com a pesquisa do ilustre Robert Graves.  O entusiasmo, típico - e originado - dos bacanais, significava  ser tomado pelo deus 
e não a loucura desmedida e criminosa, a qual se viu nos bacanais tardios do Império Romano.

O da lira usou a lira do Hermes, não a inventou e aliás foi num péssimo negócio que ele a conseguiu.
Conseguiu a flauta de Pã num outro negócio de grego com o Hermes.

Perdeu uma competição musical e mandou esfolar o oponente vencedor,  o sátiro Márcias, enquanto este ainda vivia e pregou a pele dele numa árvore.
O rio Márcias ainda está lá pra comprovar o mau perdedor que Apolo era.

Perseguiu determinado, a ninfa Dafne que não quis saber dele, até que ela foi tranformada em loureiro pra escapar do assédio. Ficou com remorso? sentiu pena dela? Nada! tomou para si a árvore, para fazer com seus ramos, a coroa dos vencedores em concursos.

Tinha uma princesa chamada Corônis que era noiva e apaixonada, já pra casar e tudo, mas o Apolo quis porque quis a moça e se deitou com ela. Foi assim que nasceu Asclépio, o deus da medicina.
Só que durante a gravidez a Corônis andou se encontrando com o noivo, Ísquis.
Um corvo branquinho como espuma, contou pro Apolo que muito patife ,
mandou a irmã Ártemis, a caçadora, dar cabo da Corônis a flechadas.
Nem pra  executar as próprias covardias ele era honesto, esse tal deus das artes.

Ainda chamuscou a plumagem do corvo, que transmitiu à sua espécie o seu sortilégio, tornando-se os corvos pretinhos como carvão.

Uma ninfa, a Dríope, estava com umas amigas pastoreando despreocupada quando Apolo finge ser uma tartaruga, adormece a bela enquanto ela brinca com a cascuda e ao fim de nove meses nasceu-lhe Anfisso,
que é um deus arquiteto.

Parece que os feitos dos filhos foram referência para o pai.

Quando se apaixonou pelo Jacinto, lindo mancebo que despertava paixões avassaladoras, pra não sofrer comparações com outro pretendente, o poeta Tamiris, ele faz uma intriga com as musas e estas privam o poeta da voz impedindo-o de cantar o Jacinto.
Quando Apolo está na jogada não tem pra ninguém! Usando dessas patranhas, não tem mesmo!

Havia ainda as nove musas, cada uma com sua especialidade, inpiradoras de todas as artes e ciências
e que eram suas meio irmãs por parte de Zeus (e quem não era?)
elas também servem de referência ao Apolo Febo.

Ele era o luminoso. Lúcifer também não era?
Como Lúcifer ele também é expulso dos céus. Só retorna pela interveniência da Géia, a mãe dele.

Claro que o Apolo teve seguidores muito fieis e que ele é aclamado como um deus solar enquanto Dionisos é visto como um deus noturno, soturno...

Eu não sou senão uma modestíssima mitófila...mas experimento cá umas controvérsias...
       
                                       foi assim!                       então inté jacaré...