Naquela manhã, o sol dourou e corderrosou os céus de Nisa muito cedo,
despertando Dionisos,
que ainda estremunhado pelo frio da noite, foi obrigado a se levantar.
As cabritas já se movimentavam fora da gruta
e ele não podia deixá-las pastando sem a atenção do seu olhar.
Ele caminhou, seguindo seu rebanho, por várias horas,
somente parando aqui e acolá para
beber de um ribeiro ligeirinho que serpenteava pela pradaria.
Era o filho muito amado de Zeus
Dionisos era um belo exemplar de deus,
que sentia enorme prazer em cumprir as funções corriqueiras,
cuidando de suas cabras,
colhendo o leite para o queijo generoso e macio,
cabeceando com as crias mais buliçosas,
cuidando para que nenhuma se encalacrasse
em qualquer greta no pasto,
ou se enredasse nalgum espinheiro.
Ria das brincadeiras que elas faziam entre si,
enternecia-se com os cuidados
que as mães ofereciam aos filhinhos,
identificava~se com os bodes grandes
e fogosos na época da cruza.
Aquela manhã quente no entanto estava esgotando seu entusiamo.
Quando o sol ia a pino as cabras buscaram sombras de árvores
depois de sorver longamente a água fresca do regato.
Dionisos aproveitou esse aquietamento e procurou um lugar,
ele também, para fugir da inclemência calorenta de Phebo,
que brilhava. absoluto.
Olhou à roda e numa elevação do campo, junto de algumas árvores,
Dionisos percebeu um convidativo caramanchão sombreando a relva verdejante.
Quando se aproximou viu que
sarmentos lançavam a vide a se espalhar nos olmos.*
Escolheu aquele recanto pra fazer a sesta.
Abaixou-se pra entrar no ensombrado nicho e aspirou um perfume delicioso
que não sabia de onde vinha, que desejava tivesse substância pra que ele pudesse tocar e ver
O que cheirava daquele jeito devia ter maravilhosa forma,
consistência agradável,
cor deslumbrante,
textura de sonho...
Dionisos olhou, vasculhou o solo com o pé,
arrepanhou as folhas irregulares que pendiam dos ramos,
examinou as garrinhas em espiral que se enroscavam
nos troncos dos olmos e na encosta da colina.
Não achou nada que explicasse o aroma
e na frescura da folhagem que o protegia
ele se deitou na relva.
Dionisos estava molinho e quase adormecido quando Phebo enviou-lhe
raios que se filtraram na ramagem
e foi aí que ele viu, brilhando, rosado, lindo e suculento,
um cacho enorme de uvas...
Ele era bem jovenzinho,
na fase das descobertas, quando a beleza compõe
a codificação dos valores.
Ficou deslumbrado com aquela visão
Ele ergueu o tronco e apoiado-se sobre o cotovelo,
estendeu o outro braço; envolvendo com a mão aquela
maravilhosa pirâmide rósea iluminada pelo bruxuleio da luz
filtrada pelas ramas.
Calculou mal a força que devia fazer pra arrancar do caule
o cacho de cheirosos, suaves bagos suculentos.
As uvas se romperam e o sumo lhe escorreu pelo lindo braço forte.
Ele sorveu aquele suco, que lhe soube divino.
Dionisos acabava de inventar o vinho...
* Eu usei uma frase de um poema que conta a lenda de Filomela,
daquele maravilhoso tradutor adrede citado.
Foi assim... até já!
Celide Amorosa,Donairosa
ResponderExcluirAlém de conhecer os vinhos como poucos, aprecie (sem moderação) a antiga versão dos fatos...
Grande Dionisios. reverência eterna.
ResponderExcluirMaravilhoso, Maliu.
ResponderExcluirDe se embebedar.
Dionísios... Eu sabia... o dia que eu perguntei ao meu pai se Noé foi o primeiro a ficar bêbado e me trouxe um livro para crianças com a história que você contar.
ResponderExcluirMuito prazer em ler seus escritos, Maliu
Olá Beatisola.Que bom que você gosta! Fico feliz em er você como leitora.
ResponderExcluirIn vino Verita.
ResponderExcluirPedrão
Isa Alecrim, Como sempre, Evoé!
ResponderExcluirOlá Claudio Louis Le Dolphin, Dionisos, apesar do braço nu, dá pano pra manga...
ResponderExcluirOlá Pedrão Coração de Leão
ResponderExcluirIn vino veritas mas muita bobagem também, né não?