terça-feira, 2 de agosto de 2011

Tia Gisella

Ela era baixinha, espigadinha, elegante e muito severa.
Tinha estudado em Oxford, numa época em que mulheres nem eram alfabetizadas.

Não me lembro dela vestida de outra cor senão de marinho
com gola e punhos brancos.Eventualmente  creme.
De raro em raro um traje cinza que uma vez
ela completou com uma écharpe amarelo gema. Que lindo que estava!

Lindas bolsas, sapatos e foulards. Nada de jóias.Sempre de luvas.

Ela contava das festas que frequentara logo depois da primeirona (guerra)
e que numas férias de verão, em Portugal, tinha conhecido seu marido.
Um português bonitíssimo, boníssimo e alegre e chic.

Quando se casaram foram viver em Paris, claro!
Ele se juntou aos maguis na segundona.
Ela nunca deixou qualquer brecha pra perguntas sobre a morte dele.
Não tiveram filhos.

Muito católica que era, viúva, tornou-se franciscana de terceira ordem.
Quando as Franciscanas Missionárias de Maria vieram pro Brasil,
ela que dominava o idioma, veio também.

Eu a conhecí já dando aulas de piano e de ballet no Instituto Santa Amália,onde estudei.
Tinha o sotaque mais arrevezado que se podia imaginar.

Quando ficávamos no colégio pra algum retiro ou cursilho,
lá pras cinco da tarde ou depois do jantar, íamos todas pra biblioteca, seu domínio.
Sentávamos à volta da mesa grande muito curiosinhas.
Ela nos embalava com suas histórias de melindrosa européia,
descrevia as festas que frequentara,
com que vestidos, chapéus e jóias se exibira,
a decoração dos salões e as garden party,
quem estava presente e o que a orquestra tocara.
Eu experimentava um certo mistério naquelas narrativas.
Era como uma transgressão conhecer as memórias daquela mulher formal e prática.

Depois ela ia pro piano, contrariando a norma de então,
que era, só nos apresentarem os eruditos,
tocava algo popular e nos ensinava as harmonias, a mão esquerda, pra tirarmos a música em casa.
Os pedidos que fazíamos eram Feuilles Mortes, La Vie en Rose, Un Jour Tu  Verras, La Mère,
ela dedilhava num jeito à Liberace.Cantávamos no nosso francês de horrível sotaque
juntando versos que conhecíamos em inglês.

Quando a infância já nos ia abandonando, na mesma longa mesa da biblioteca,
com a mesma arrumação dos móveis,
a mesma luz entrando pelos janelões, ela nos serviu  chá com genebra.
Descobrimos que a nossa sábia, glamurosa, sofisticada mestra, bebia às escondidas...

Anos depois, já adultas, formadas, trabalhando, casadas,
íamos vê-la a cada primeiro dia de primavera, seu aniversário.
Na hora do chá ganhávamos da Tia Gisella, na nossa xícara 
exatamente como fazia prá si mesma, um pingo de leite
e uma colher de chá, medidinha, de gin.

                                                     até já !

5 comentários:

  1. Olá Naty belíssima,
    Ela era mesmo uma coisa, né não?

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  2. O' de casa, cadê a dona do pedaço? Maliu, tudo bem por ai? Esta de férias? Eu estou é com saudade, bj, aliki

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  3. Olá Aliki de longe.
    Andei um tanto cansada por conta da faxina de primavera.Hoje tenho cantoria, destinei meu amanhã à noite para ganhar amor via blog.
    Beijinhos e carinhos sem ter fim.

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  4. Alguma coisa da nossa querida "Dona Gisela", e eu já trabalhando, com escri ao lado do Forum, que v. conheceu, vejo a querida Dona Gisela. Nunca nos perdemos de vista. Naquele momento.estavamos em + - 1972 .Ela precisava ir tratar de assuntos e eu pude acompanhá-la. Realmente inesquecível.
    Marli, que bom relembar a chinesa de Macau
    Celide

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Olá, deixe seu recado para mim :o) Um beijo, Maliu