quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Billy Eliot

Eu posso rever Billy Eliot infinitas vezes.
Não importa que eu já tenha visto o filme naquele mesmo dia,
eu assisto de novo e sempre descubro um novo gesto,
uma tomada de câmara, uma frase... 

Sei que vocês vão dizer que é tudo mentira, que não pode ser,
um filme tolinho, quase infantil, tão romântico...
É, mas tem a tal greve dos mineiros de carvão.

Tomar a terra, moldar, fazer da argila um objeto com função cotidiana...
Ser a Terra,  gerar na terra,  materializar, dar forma, formatar na deusa,
faz-nos pensar que os oleiros comunicavam-se com o divino
nos primórdios da fundação da humanidade.

Os oleiros tinham familiaridade com a Terra, a Géia, a Gaia, a Rhea:
a mesma intimidade que os mineiros demonstram
ao tirar das entranhas da deusa, o minério,
que será formado para aumentar
suas forças: o martelo;
seu alcance: a lança;
sua proteção: o escudo...

Dá ao mineiro,
em seguida ao ferreiro,
mais tarde aos alquimistas
depois aos químicos
e hoje aos bioquímicos,
o encantamento e a divindade que possuem os heróis.

O trabalho dos mineiros, em quase todas as culturas, exige o envolvimento do sagrado.

Um gesto ritual no momento de descer às profundezas,
um culto protetor quando da abertura e aprofundamento da mina.

Estar sob a superfície, meter-se sob a terra,
arrancar dela seus tesouros,
torna seu explorador divinizado e profano (profanador)
 
Eram suas armas que traziam as vitórias nas guerras,
eram eles os conhecedores dos mistérios
que transformavam as benesses da terra em vantagens,
em superioridade contra o inimigo.
O bronze em escudo e lança.
O meteorito em machado e martelo.

A tribo dava um jeito de conservá-lo num isolamento seguro:
os ferrreiros eram presos,
tornados coxos para não fugir
encadeados nas correntes que forjavam,
vigiados, destinados aos deuses,
tornados mudos para não revelar seus segredos...

Billy Elliot  é resgatado do submundo e alçado aos céus em forma de cisne.

Essa é uma saga que pode ser experimentada
por uma porção de gente, nos dias atuais,
que explica a atração fútil e imediata que as pessoas tem pelos famosos...

Abandonar o submundo e alçar voo acima do comum dos mortais.
Essa é uma das consequências do sucesso.

No trajeto corre-se o risco de ficar manco,
mudo, vergar sob o teto baixo das galerias

mas se não for pelo valor do ferreiro,
pela transformação do minério
e pela importância do artefato, 
o ferreiro ficará de mãos vazias e inútilmente enredado nos elos que forjou.
                       
                                      foi assim....               até já!

     

domingo, 21 de agosto de 2011

Aliki

Eu vi a cantora violonista no youtube, está lindo !
Só dependo de você pra traduzir e eu botar aqui no blog,
é prá quem acessar o enderêço compreender o que diz 
a moça bonita que canta Safo..
Cá entre nós, aquilo é grego pra mim....

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Safismo

Safo, de Lesbos, que talvez os mais jovens não saibam,
deu origem à palavra lésbica e seu conceito;
foi uma grega danada de valente.

Ela se mandou da casa senhorial,
numa época em que as gregas faziam parte das propriedades,
estando sujeitas ás decisões dos seus déspotas,
os donos dos oikos, os quais, amparados pela lei
tinham o direito de vida e morte sobre todos os seres sob seu teto,
mesmo se estivessem a céu aberto
.
Ela vai morar na tal ilha de Lesbos.
Um punhado de mulheres
que também estavam zangadas com o tratamento indigno que recebiam,
a exemplo do que fizera Safo, fogem prá Lesbos
e encontram alí abrigo seguro contra seus algozes.

O meu é um olhar romântico, não posso evitar, mas a história é clássica
Alguns autores mostram que aquelas mulheres na ilha
não  tinham necessariamente inclinação homoerótica,
nem teriam ido parar lá por esse motivo, como se fez acreditar posteriormente.

Bom, um punhado de mulheres emancipadas, tocando uma vida autosustentável,
devia causar um certo rebuliço mesmo.
Era melhor acreditar que essa atitude escondia algum mistério;
até porque como poderia uma poetisa rica e mimada,
administrar uma ilha com sucesso?

A verdade é que  as mulheres de Lesbos, as mulheres da Safo,
deram pano pra manga tendo sua saga misturada à lenda das Amazonas,
as tais guerreiras implacáveis, que carregavam o albornoz
com a correia frontal escondendo o seio esquerdo,
o que gerou a ilusão de que elas cortavam essa mama
para ficarem mais livres nas batalhas.

Contei tudo isso  porque me lembrei do Alceu,
aquele apaixonado pela Safo, que escreveu um
hai-kai grego:

"Cuidado amigo,
debaixo de cada pedra
esconde-se um escorpião"

Não é genial? como é que isso não virou adágio popular?

ainda, da tradução primorosa que me escapa o domínio.

                                                foi assim...             até já! 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A quem interessar possa III

A bela tradução de Safo e Alceu eu não sei a quem atribuir.
Eu trago esses versos na memória desde a adolescência
Emprestei o livro muitos anos atrás ( isso eu sei, foi em 1969)
e claro é esse o jeito mais fácil de perder qualquer coisa.
Quem souber por favor diga-me pra eu fazer justiça
com minhas proprias mãos no computador.

                                                        até já!

Poetas

A Safo, já morando em Lesbos, tinha um fã, também poeta; Alceu.
Nas suas canhestras tentativas para conquistar Safo,
ele enviou a ela uma sazonada maçã  com um verso;

"Toma essa maçã e nota como é efêmera a beleza"

Resposa de Safo a Alceu:

"Se quisesses tão só o bom e o belo,
se em tua boca más palavras não tramasses,
não haveria essa amargura no que dizes
e poderias exprimir-te francamente."

                                foi assim...                  Até já!

Hefesto

Hefesto, aquele que brilha de dia.

Tem toda a minha simpatia, o Hefesto. Os adictos sempre têm
Qualquer que seja a adição, qualquer cigarro, drinque,  pico ou comprimidos, chocolate ou ginástica
e qualquer grande amor.
Hefesto era totalmente apaixonado pela Afrodite dos gregos,
Venus lá dos Romanos
Ela a mais bonita das deusas, ele o mais feio dos deuses.
Claro que se casaram.

Como se sabe, os ferreiros eram mancos, tinham cicatrizes muito feias,
ou lhes faltavam dedos e outras partes do  corpo como a orelha, um olho...
se nós temos marcas de batalha por picar cebola e estrelar ovos,
imagine no fogaréu de uma forja e no malhar da bigorna como é que ficaríamos?

Não é só isso.
Frequentemente o ferreiro tinha marcas
da sua dedicação á causa da guerra por ter lutado
e não somente pelos acidentes sofridos na oficina obscura de seu povoado.

Os ferreiros, não raras vezes, haviam sido bravos guerreiros.
Tivessem sido fracotes não teriam perdido só um pedaço de si mesmos...
Seus ferimentos os tornavam incapacitados para o serviço militar
mas não para a vida civil,
como rezam as dispensas do exército até hoje.

Por sua intimidade com os campos de batalha,
com a luta aguerrida no enfrentamento corpo a corpo,
sabiam das necessidades dos soldados
tanto no ataque quanto na defesa.

Eram portanto mais competentes para desenvolver e fabricar
o arsenal bélico apropriado e resistenste, melhor do que qualquer outro,
o que era uma baita vantagem contra os oponentes.

Assim os deuses ferreiros da maioria das mitologias são coxos e feios,
escandalosamente fortes porém sensíveis.
É preciso sensibilidade para cuidar do semelhante, oferecendo a ele os meios de obter sucesso.

Um sucesso que angariava a boa vontade dos chefes tribais
e das casadoiras de plantão
e que ele, ferreiro, não mais obteria.

Excetuando Thor, é claro !

Só pra ter pé na situação;
veja quantas personagens se nos apresentam
e nos cercam por toda a vida
e que carregam esse mesmo jeitão do arquétípo que comove... 

A Fera da Bela, o Quasímodo da Notre Dame, o Cirano de Bergérac,
todos os órfãos das narrativas inglesas dos 1800,
o dono da Escrava Isaura, o médico da Inocencia, os palhaços, os piratas, os vampiros
e os cafajestes (e as piriguetes) com quem nos deparamos na nossa caminhada
e aos quais mais à miúde do que deveríamos, entregamos nosso coração,
e acreditando em sua conversa, carregamos sua bandeira.

A exemplo do que foi feito nos Heróis,
tentemos encaixar nesses paradigmas alguns circunstantes.
Assim nos damos conta de que
o pecado original não mora ao lado, nasceu mesmo conosco.

Seu outro nome é " que grande engano!"
a pessoa não era o ferreiro, mas nós já nos ferramos...


                                            foi assim...                até já !

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mnemosine

À deusa Mnemosine, mãe das nove Musas, é atribuida a proteção da memória.  Ela era uma das filhas de Cronos e Réia e seus irmãos eram Zeus, Hades e Posídon, Démeter, Hefesto... um time de primeira linha.

Numa passagem linda, no "Adriano", Marguerite Yourcemar conta que, num papinho entre Sócrates e um jovem poeta recém egresso das Dionisíacas, o poeta narra sobre as festividades e como foram as tragédias e quem ganhou o Tragos... fofocas de praxe, como as do Oscar.

Instado por Sócrates a declamar o poema vencedor, o ascecla diz ser incapaz disso mas que o que transcorrera naqueles dias para a glória de Dionisos, Sócrates poderia ler em algum tempo mais prá diante.
O lente horrorizado pergunta  "Se escreverem o conhecimento (o logos), não haverá mais necessidade da memória.  Como se honrará Mnemosine?"

Ou seja, a forma de homenagear a deusa mãe das artes era recordar-se.
Simples assim : ao se lembrar você cai nas graças de Mnemosine.

Os gregos levavam tão a sério a recordação, que quando o Hades  ainda era só o submundo isolado pelo Estige, onde Caronte remava garantindo a entrada desde que pagassem, e Cérbero vigiava com suas tres cabeças, latindo e uivando e cravando os dentes nos incautos que tentavam sair dali, antes de haver o conceito de Campos Elíseos, o Hades era o lugar no qual seus habitantes de nada se lembravam,
o lugar dos sem memória.
O inferno é se esquecer... 

Dizem que os poetas apresentavam suas obras de cor e não satisfeitos com essa assombrosa competência, saiam das festas tendo na lembrança  todas as odes representadas durante os três ou  quatro dias de festejo.
Na antiguidade helênica as pessoas tinham muitos gigabytes.

Pobre do Homero que não tinha post-its, não lançava mão de lembretes pra todo lado.
Com tais recursos fica fácil contar a Odisséia e descrever os mitos e suas peripécias.

.                                          foi assim...                até já !

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Tia Gisella

Ela era baixinha, espigadinha, elegante e muito severa.
Tinha estudado em Oxford, numa época em que mulheres nem eram alfabetizadas.

Não me lembro dela vestida de outra cor senão de marinho
com gola e punhos brancos.Eventualmente  creme.
De raro em raro um traje cinza que uma vez
ela completou com uma écharpe amarelo gema. Que lindo que estava!

Lindas bolsas, sapatos e foulards. Nada de jóias.Sempre de luvas.

Ela contava das festas que frequentara logo depois da primeirona (guerra)
e que numas férias de verão, em Portugal, tinha conhecido seu marido.
Um português bonitíssimo, boníssimo e alegre e chic.

Quando se casaram foram viver em Paris, claro!
Ele se juntou aos maguis na segundona.
Ela nunca deixou qualquer brecha pra perguntas sobre a morte dele.
Não tiveram filhos.

Muito católica que era, viúva, tornou-se franciscana de terceira ordem.
Quando as Franciscanas Missionárias de Maria vieram pro Brasil,
ela que dominava o idioma, veio também.

Eu a conhecí já dando aulas de piano e de ballet no Instituto Santa Amália,onde estudei.
Tinha o sotaque mais arrevezado que se podia imaginar.

Quando ficávamos no colégio pra algum retiro ou cursilho,
lá pras cinco da tarde ou depois do jantar, íamos todas pra biblioteca, seu domínio.
Sentávamos à volta da mesa grande muito curiosinhas.
Ela nos embalava com suas histórias de melindrosa européia,
descrevia as festas que frequentara,
com que vestidos, chapéus e jóias se exibira,
a decoração dos salões e as garden party,
quem estava presente e o que a orquestra tocara.
Eu experimentava um certo mistério naquelas narrativas.
Era como uma transgressão conhecer as memórias daquela mulher formal e prática.

Depois ela ia pro piano, contrariando a norma de então,
que era, só nos apresentarem os eruditos,
tocava algo popular e nos ensinava as harmonias, a mão esquerda, pra tirarmos a música em casa.
Os pedidos que fazíamos eram Feuilles Mortes, La Vie en Rose, Un Jour Tu  Verras, La Mère,
ela dedilhava num jeito à Liberace.Cantávamos no nosso francês de horrível sotaque
juntando versos que conhecíamos em inglês.

Quando a infância já nos ia abandonando, na mesma longa mesa da biblioteca,
com a mesma arrumação dos móveis,
a mesma luz entrando pelos janelões, ela nos serviu  chá com genebra.
Descobrimos que a nossa sábia, glamurosa, sofisticada mestra, bebia às escondidas...

Anos depois, já adultas, formadas, trabalhando, casadas,
íamos vê-la a cada primeiro dia de primavera, seu aniversário.
Na hora do chá ganhávamos da Tia Gisella, na nossa xícara 
exatamente como fazia prá si mesma, um pingo de leite
e uma colher de chá, medidinha, de gin.

                                                     até já !

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Vai lá !

Quer ver que bonito? entre no   www.carnet-de-voyage-rs.blogspot.com

Vigia dos livros

Praticamente terminei a primeira triagem.
Decidi manter Pessoa, Alphonsus Guimarães, Camões, Fitzgerald claro! João Cabral, Paulo M. Campos,
Oh, vida! estou cometendo tantas injustiças com os demais... Mas inda pretendo conservar Bataille, L. Carrol,
Joyce, Barthes, Faulkner, Stein, Steinb....